quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Quem é o melhor piloto???

URUBLOG também é cultura! O texto abaixo foi escrito por um grande Jornalista (sim, com "J" maíusculo pq não é hipócrita e bitolado como alguns, que acabam sujando a imagem da classe) e piloto de tudo que possa correr (não voar), porém, a comparação do texto automobilístico com nosso Vôo a Vela é inevitável. Geraldo Tite Simões já trabalhou nas maiores revistas do Brasil e viajou o mundo todo em busca de aventuras, é "dono" do livro de crônicas "O Mundo é uma Roda" o qual já lí e recomendo (vc pode comprar no site www.motonline.com.br).
Atualmente escreve o blg http://www.motite.blogs.sapo.pt que contém os mais variados assuntos, sempre com muito humor e inteligência.

Bom, chega de escrever, leiam!!


Quando eu era adolescente, costumava gastar o dinheiro da mesada em duas manias: carrinhos Matchbox e revistas estrangeiras de automobilismo e motociclismo. Foi assim que aprendi meia dúzia de frases em inglês e francês e aprimorei o italiano. Mais que isso, passei a admirar alguns jornalistas especializados, sobretudo os das revistas Motoring News e Grand Prix International (a gringa). Naquela época o Brasil já tinha um campeão mundial de F1, Emerson Fittipaldi, mas as revistas brasileiras davam notícias apenas da F1 e eu queria saber tudo.

Em um anuário "O Ano do Automóvel", versão brasileira (infelizmente efêmera) do "Automobile Year" que circula até hoje, tinha um artigo que me chamou a atenção na época, mas que tinha esquecido completamente até recentemente. O título era "Dragster for Paradise". Era assinado pelo jornalista francês Johnny Rives, uma mistura de Ico com Alessandra Alves da época, com um texto saboroso e sempre surpreendente. Infelizmente joguei o anuário fora (o Panda vai me matar), mas o tema da narrativa era "o melhor piloto de F1".
Eram tempos de Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi,
Jackie Stewart com o Matra MS84 nos treinos para o GP da Inglaterra 69

Jacky Ickx, Ronnie Peterson, Niki Lauda e sua turma. Época em que um campeão conquistava título na última etapa, com 5 ou 6 vitórias no ano. Tempos em que os carros quebravam que nem desfile de DKW. Uma época tão legal que eu lembro praticamente de cada corrida que via pela TV e ouvia pela Jovem Pan.

Johnny Rives escreveu um texto mais ou menos assim:

"Numa noite dessas, fui dormir pensando qual seria o melhor piloto de F1 de todos os tempos. Sim, porque não consigo mais agüentar esses jornalistas comentando sobre a genialidade de Jim Clark, a frieza de Juan Manuel Fangio, comparados com os atuais Stewart, Fittipaldi, Peterson, Lauda ou Ickx. São épocas diferentes, carros diferentes, mas sempre aparece alguém para instigar e ficar falando que um foi ou é melhor que outro.

Durante a noite acho que morri. Ou sonhei, não sei. Mas subitamente me vi diante de Deus. Isso mesmo, Ele, em ectoplasma e osso! Quando me vi face a face com Deus, nem quis saber se estava morto ou não, só uma coisa me ocorreu. Ele certamente sabe tudo, afinal é onisciente! Então só Ele pode me responder essa pergunta que me persegue há décadas. Não tive dúvidas e assim que me vi diante Dele perguntei:

- Senhor, já que sabes tudo, me responda, qual é o melhor piloto de F1 de todos os tempos?

Deus me olhou de forma estranha. Acho que normalmente as pessoas perguntariam outra coisa numa situação dessas, como qual a minha missão na Terra, qual o mistério da fé e da paixão etc. Mas Ele nem pestanejou e respondeu:

- É Hans Strudel!

- Quem? Nunca ouvi falar dele! Em qual categoria ele corre? Já ganhou alguma corrida?

- Não, ele é austríaco, mora em Zirl, é lenhador e nunca correu de carro!

- Mas, er... não estou entendendo!

- Ele é o melhor piloto de F1 de todos os tempos, só que não sabe disso, porque não se interessa por corridas de carro.

- Desculpe, mas continuo não entendendo...

- Strudel tem todas as qualidades humanas e físicas para ser o melhor piloto de F1 de todos os tempos. Tem uma visão fantástica, é habilidoso com as mãos, tem a maior rapidez de reflexos de todos os seres humanos, tem a maior capacidade cerebral para ser piloto. Só que ele não sabe disso e passa seus dias cortando lenha! Se tivesse a chance de correr de F1 seria o melhor de todos.

Acho que acordei. Ou ressuscitei, não sei. Mas logo em seguida estava em meu quarto, pensando nisso. E uma luz se abriu sobre essa discussão sobre o melhor piloto de todos os tempos. Isso não existe. Não existe o melhor em qualquer coisa de todos os tempos. O que podemos qualificar e dimensionar é qual o melhor piloto de determinada categoria naquele momento. É estupidez querer comparar esportistas de épocas diferentes. Isso é perda de tempo".

Bom, isso é o pouco que lembro daquele texto. Note que foi escrito antes de Prost, Piquet, Senna, Alonso e Schumacher. Logo, mais que um texto, é realmente uma visão! E é a MINHA versão, pois não me lembro bem dos detalhes.

Sempre vejo essa discussão tola aqui no Gepeto ou em qualquer outro site sobre quem é ou foi o melhor piloto de todos os tempos. Isso não tem o menor cabimento, mas parece que a humanidade é movida por esse afã de revelar quem é melhor. Ao meu ver, isso é uma caretice sem tamanho. Cada esportista bem sucedido tem seu valor, dentro de um contexto e de sua época. Qualquer coisa que extrapole a contemporaneidade é uma bobagem sem tamanho. Como bem disse o meu amigo Marcus Zamponi: "Essa disputa entre Senna e Schumacher posso resumir da seguinte forma: Senna FOI o melhor piloto de F1, Schumacher É o melhor piloto de F1". Nada mais genial.

Além de calar essa discussão estéril, esse texto do jornalista francês serve pra abrir os olhos de todo mundo para o risco de cometer a bobagem de comparar pilotos de épocas diferentes. Lembro que uma das situações mais constrangedoras que presenciei no jornalismo foi justamente a tentativa de comparar pilotos de épocas distintas. Em uma festa de entrega do prêmio Capacete de Ouro, a jornalista Isabel Reis, ao lado de Rubens Barrichello cometeu a gafe de colocar Rubinho em um patamar acima de Gilles Villeneuve só porque o piloto brasileiro tinha maior número de vitórias. Na hora me virei para o Zampa, sempre ao meu lado e cochichei:

- Porra, alguém precisa avisar a Bel que Villeneuve morreu!

A comparação só não foi mais constrangedora do que o texto que o marido e sócio da Isabel, Sérgio Quintanilha, cometeu ao impor um artigo ridículo na revista Racing (propriedade do casal), no qual ele promovia uma corrida hipotética, organizada nos céus, entre os melhores pilotos de todos os tempos. O texto (chatíssimo do começo ao fim) resumia um campeonato entre pilotos como Fangio, Clark, Prost, Senna, Piquet, Schumacher etc e o campeão, claro, foi Senna. Essa tortura saiu na capa da Racing e ainda teve continuação em uma segunda edição.

Assim que vi a capa da Racing lembrei do texto do Rives, que li na adolescência. Se o Quintanilha leu aquele artigo, fez mal ao reescrevê-lo daquela forma insossa e desrespeitosa com a memória de outros pilotos. Se não leu, foi uma coincidência que serviu apenas para submeter os leitores de Racing àquela barbaridade. Sei de fontes seguras que as cartas criticando o artigo foram sumariamente censuradas. Mas as (poucas) elogiosas foram publicadas. Coisas da imprensa.

Voltando ao artigo original do jornalista francês, aquele texto me abriu a mente para esse fato de que não existe O melhor. Existe uma conjunção de fatos que levam a um resultado positivo. Nada filosófico, mas vou exemplificar. Quando eu mantinha meu curso SpeedMaster de pilotagem, recebi um aluno chamado Marcelo Mistrorigo, então com mais de 30 anos. Ele tinha ganhado uma moto esportiva em uma rifa e decidiu fazer o curso para aprender a pilotá-la. Logo nas primeiras aulas percebi que o cara tinha algo de especial. Ao final do curso de dois dias ele estava pilotando muito rápido. Algum tempo depois treinamos juntos em Interlagos e ele foi mais rápido que eu! Mais tarde se inscreveu para correr de 600 Supersport e um ano depois foi o campeão brasileiro de Motovelocidade naquela categoria. Tudo por causa de uma rifa!

Por isso eu pergunto: e se o Milton Silva, pai do Ayrton, nunca tivesse construído um kart para o filho de quatro anos? Se o pai de Michael Schumacher tivesse feito um campo de futebol, ao invés de uma pista de kart indoor? Não haveria essa discussão tola sobre qual o melhor piloto de F1.

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